A Era da Aceleração, Vínculos e a Falta de Presença

Uma reflexão sobre os desafios da vida moderna e a busca por significado em tempos acelerados.

Vivemos em um tempo de muitas transformações. Tudo se move rápido demais. A vida moderna impõe um ritmo acelerado, fragmentado e repleto de pressões. As informações chegam antes que consigamos respirar. O mundo se transforma diante dos nossos olhos e nós, seres humanos, não conseguimos acompanhar.Hartmut Rosa, em seu livro Alienação e Aceleração: Por uma Teoria Crítica da Temporalidade Tardo-Moderna, afirma: “A sensação de que o mundo ao nosso redor está ficando cada vez mais rápido, nunca, de fato, abandonou o homem moderno.”

O Peso da Aceleração em Nossas Vidas

O cérebro humano, no entanto, não foi feito para lidar com tantas demandas simultaneamente. Isso gera sobrecarga, ativa continuamente os mecanismos de estresse e nos mantém em estado de alerta, como se estivéssemos sempre em modo de sobrevivência. Os resultados logo são sentidos: o corpo se cansa; a mente se desorganiza; o coração sente.

Estamos sobrecarregados de estímulos e carentes de presença. Exigidos em tudo e, ao mesmo tempo, pouco cuidados. Cobram de nós produtividade, respostas, sorrisos, mesmo quando a alma grita por silêncio e afeto. Não há mais um lugar de quietude dentro de nós, nem espaço interior para contemplar o que realmente traz significado à existência e renovar as forças.

A Tirania do Urgente e o Esquecimento do Essencial

Charles Hummel, em A Tirania do Urgente (1967), já nos alertava ao afirmar que vivemos no modo “apagando incêndios”, onde o urgente consome o importante. A vida moderna nos impulsiona a responder às demandas imediatas, e assim deixamos de lado o cuidado com nossa mente, nossas emoções e nossos vínculos. Essa urgência constante nos afasta do descanso, do silêncio e da presença que o nosso ser mais profundo tanto necessita.

Rubem Alves, em seu livro Ostra Feliz Não Faz Pérola, nos recorda que: “O tempo para ler, o tempo para ouvir música, o tempo para contemplar um pôr do sol, o tempo para estar com os amigos, o tempo para amar… Tudo isso é o que faz a vida valer a pena.”

Há um excesso de tudo: informação, cobrança, barulho. Mas falta o essencial: escuta, tempo de qualidade, afeto verdadeiro. As emoções que não encontram lugar acabam guardadas em cantos apertados da alma. E o que não é dito se transforma em dor: ansiedade que aperta o peito, tristeza que desce sem nome, cansaço que não passa com o sono.

Conexões Líquidas, Abrigos Fragilizados

As relações também mudaram. Estamos sempre conectados, mas cada vez mais distantes. Tocamos e vemos mais as telas do que o próximo. Encontramo-nos, mas não nos vemos de verdade. Vive-se uma solidão povoada, rodeados de gente, mas, ao mesmo tempo, sozinhos interiormente.

No livro Modernidade Líquida, Zygmunt Bauman descreve muito bem esta sensação: “Vivemos numa época em que o vínculo entre as pessoas é tão fluido e efêmero quanto as próprias estruturas sociais que o sustentam.” Essa fluidez fragiliza os laços afetivos e aprofunda a sensação de solidão que permeia nossa vida cotidiana.

Além disso, os lugares de abrigo se enfraqueceram: a fé, a família, os amigos, os vínculos verdadeiros e profundos. Somos pressionados a sermos tudo ao mesmo tempo. Inventar e reinventar quem somos, correr atrás de tudo, dar conta de tudo. Postar tudo. Aparentemente nos mostramos como uma fortaleza quando, na verdade, parecemos mais com um castelo de cartas prestes a ruir no primeiro leve sopro de vento. Uma sociedade que nega a fragilidade humana está adoecida por dentro.

A Pressão pela Performance e o Sofrimento Silenciado

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em seu livro A Sociedade do Cansaço, descreve essa realidade com precisão: “A sociedade do desempenho está habitada por sujeitos de desempenho que se exploram até a exaustão, acreditando que estão se realizando.”

E há ainda a tirania da positividade. A cultura contemporânea valoriza a produtividade, a força e a felicidade constante. Mostrar dor tornou-se fraqueza. Sentir tristeza passou a ser um problema. Com isso, muita gente sofre em silêncio, com vergonha de não estar bem. A dor tornou-se um segredo que cada um carrega escondido em um escuro quarto da alma.

A Necessidade Urgente de Pausar e Reconectar

Estamos doentes porque não conseguimos mais pausar, relaxar. Porque esquecemos que sentir também é parte do caminho. E porque, no meio de tanta correria, deixamos de ouvir o que é mais humano em nós: a necessidade de afeto, de sentido, de descanso e de amor.

Talvez a cura comece quando nos permitirmos parar, respirar, sentir. E lembrar que a vida não foi feita para ser corrida, mas vivida com propósito, inteireza e sentido. Reconhecer isso é um primeiro passo para buscar caminhos de cuidado, reconstrução e reconexão com aquilo que realmente sustenta a vida

Direitos autorais: Carlos Barabás

Meditações e reflexões para o seu dia

Referências:

ROSA, Hartmut. Alienação e Aceleração: Por uma Teoria Crítica da Temporalidade Tardo-Moderna. Tradução de Rafael Rodrigues da Silva. São Paulo: Editora Unesp, 2019.

HUMMEL, Charles. A tirania do urgente. Tradução de Valdemar Kroker. Viçosa, MG: Ultimato, 2017.

ALVES, Rubem. Ostra Feliz Não Faz Pérola. São Paulo: Planeta, 2016.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

HAN, Byung-Chul. A sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

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Carlos Barabás
Carlos Barabás
Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) Especialização em Neurociência e Educação Graduação em Ciências Sociais Formação Teológica Diretor da Lighthouse – Centro de Estudos Multidisciplinares
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